14 de janeiro de 2008

Decreto contra desmatamento: outdoor ambiental?


Entre agosto de 2000 e agosto de 2005, a área total de desmatamento na Amazônia foi equivalente a metade da superfície do Estado de São Paulo
Analisamos o decreto assinado pelo governo em dezembro com medidas para combater a retomada do desmatamento na Amazônia. Há pontos interessantes, mas a pergunta que não quer calar é: é pra valer?
O governo estabeleceu, no final do ano passado, uma série de novas medidas para combater a retomada do desmatamento na Amazônia por meio do decreto 6.321, assinado em 21 de dezembro pelo presidente Lula e a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.
Em verdade, o mérito do decreto está em tentar reunir, num texto só, exigências que se encontravam dispersas pela legislação brasileira, surpreendendo, como diz Caetano Veloso, por revelar o que sempre pode ter “estado oculto, quando terá sido o óbvio”. A grande incógnita é saber se, por conta disso, haverá fôlego para fazer a lei se transformar em realidade.
O decreto responde a algumas das inquietações e recomendações do Greenpeace e demais entidades que discutem há anos o problema ambiental e fundiário na Amazônia. Como por exemplo a importância do cadastramento e do licenciamento ambiental dos imóveis rurais, para se alcançar níveis mínimos de governança na região e estruturar medidas permanentes para zerar o desmatamento. Muitas dessas medidas foram incluídas na proposta do Pacto pelo Fim do Desmatamento na Amazônia, lançado em outubro de 2007.
No entanto, não se pode deixar de verificar que o governo só se mexeu quando o leão do desmatamento já estava rugindo em alto e bom som.
Além disso, o decreto não parece contar com o apoio irrestrito do governo como um todo, já que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi o único a abraçá-lo de forma inequívoca. Até as pedras da Esplanada dos Ministérios em Brasília sabem que quando um ministro não assina um decreto, significa que ele não tem nada a ver com o assunto ou que as entranhas da sua pasta dificilmente deglutirão as obrigações estabelecidas na velocidade necessária a uma ação eficaz e coordenada de governo.
O decreto levou em consideração várias recomendações feitas durante a Oficina sobre Licenciamento Ambiental Rural, realizada em outubro passado em Brasília e organizada pelo Greenpeace, Casa Civil da Presidência da República e MMA, no âmbito do processo de implantação da Moratória da Soja. As principais recomendações da Oficina inseridas no decreto são:
· Integração da base de dados geográfica dos imóveis rurais nos processos de licenciamento ambiental e regularização fundiária;· Transformação do cadastramento ambiental dos imóveis rurais em um instrumento de planejamento de políticas públicas;· Priorização da implantação do cadastramento nos municípios situados na Amazônia que têm, além da pressão por desmatamento, histórico de colonização induzida;· Que o Sistema de Licenciamento Ambiental da Propriedade Rural seja utilizado pelos Bancos e Fundos de Investimento e Fomento como critério para liberação de créditos e incentivos.
Desafios cruciais
Há no entanto interrogações cruciais no decreto como o desafio que o MMA terá para fazer virar realidade as multas que serão aplicadas. Pouco mais de 2% do total de multas aplicadas pelo MMA anualmente são efetivamente executadas. Se isso não mudar, de pouco adiantará inventar novas leis. Ocorre que os primeiros sinais de 2008 neste assunto não são muito alvissareiros. Por exemplo, o governo já anuncia, por meio do relator do orçamento no Congresso Nacional, Deputado José Pimentel (PT/CE), que o MMA não receberá recursos adicionais em 2008. Sem dinheiro novo, como mudar o desempenho acima comentado e como fazer cumprir as disposições do Decreto?
O decreto também não deixa claro como se fará cumprir a proibição do financiamento daqueles que agridem o meio ambiente. Se o texto do decreto não for incorporado pelas resoluções e instruções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central, que orientam o funcionamento do nosso sistema financeiro brasileiro, ele dificilmente chegará até a mesa dos gerentes de bancos em toda a Amazônia. Foi por isso que o Greenpeace e as organizações que integram o Grupo de Trabalho de Florestas, do Fórum Brasileiro de Organizações e Movimentos Sociais (FBOMS), pediram, quando estiveram, em 2006, em audiência com o presidente Lula e as ministras Dilma Rousseff (Gabinete Civil) e Marina Silva, que este assunto fosse regulamentado pelo CMN.
Resta torcer e rezar para que o governo não esteja erguendo mais um outdoor para apenas anunciar suas boas intenções, prática à qual sempre recorrem os governantes quando se deparam com o assunto insolúvel da vez.
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greenpeace.org.br